Um trovão rompe o silêncio e desperta lembranças:
― Sonhei outra vez com sombras. O que isso quer dizer, doutora Sigmunda?
― Elabore o sonho, meu caro. Não sou vidente, apenas psicanalista.
― Desde menino tenho esse pesadelo. Estou num quarto escuro, um temporal desgraçado lá fora e a porta bate. Quando um relâmpago ilumina o céu, vejo sombras na janela. E grito. Grito muito.
― Lembra o que diz nestes gritos?
― "Ah"! E depois, "Oh"!
― O que sente ao ver as sombras?
― Pânico. Acho que é trauma de... Ouviu isso? Escutei passos na sala de espera, mas sou o último paciente de hoje. Estamos só os dois aqui.
― Acalme-se. Voltemos às sombras. Lembra de algo ao pensar nelas?
― Oh my Freud! Digo, doutora Sigmunda Fuad. Ouvi outro barulho. Estou alucinando? Enlouqueci de vez? Qual o sentido?
― Elementar, meu caro Washington. Você está num ponto crítico da análise. As defesas frágeis. Por isso, projeta sombras no mundo exterior. Fantasias que não existem a não ser em seu imaginário...
O som de outro trovão assusta o paciente. As luzes do consultório se apagam. A porta é arrombada. Surge o vulto de um homem encapuzado, e sua voz vibra sombria:
― É um assalto.
Aos berros, Washington pula do divã, e pendura-se no pescoço do ladrão:
― Obrigado. Você me salvou. Não estou louco...
(*) Imagem: Google