terça-feira, 25 de setembro de 2012

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Só Abro a Boca Quando Não Tenho Certeza




Durante o voo que me levava a Portugal em minha primeira viagem ao exterior, quando o comissário passou com o carrinho que vendia artigos de free shop, enlouquecida de ansiedade, imaginei ter visto aquelas pequenas caixas onde se guardam terços. Minha família havia pedido alguns, então, disse ao moço que queria meia dúzia dos santinhos. O funcionário do avião olhou espantado para os objetos que eu apontara. E respondeu com charmoso sotaque português:

— O único santinho aqui sou eu.

O que pensei ter visto, na verdade, eram isqueiros.

(*) Imagem: Google

A Doce Vida




Para voltar a Roma, nada de moedas na Fontana di Trevi. Preferia outro caminho. Ao encontrar um belo romano, suspirava e dizia: "Ave, César"! 


(*) Imagem: Marcello Mastroianni e Anita Ekberg em "La Dolce Vita" de Federico Fellini

Homem a Beira de um Ataque de Nervos





— Tive pesadelos outra vez. O que isto significa Dra. Sigmunda Fuad?
— Não tenho a menor ideia. Elabore, meu caro, elabore... 
— Sonhei que estava num lugar chamado "Tripa de Elite". Não é ato falho. Eu disse "tripa" mesmo.
—  Sua paixão pela gastronomia e cinema nacional é mesmo assombrosa. Consegue descrever o lugar? 
— É um restaurante gótico onde os garçons pintam as unhas com esmalte preto e oferecem um cardápio macabro. Todas as carnes servidas estão banhadas em sangue.
— Hum... Elementar meu caro Washington. Seu sonho está relacionado ao medo da morte.
— Medo? Como se eu fosse normal. Meu pesadelo parece um filme de terror. 
— Acalme-se. Até agora está mais pra filme B. O que acontece depois?
— Mando chamar o cozinheiro que diz ser vegetariano. Por isso batizou de "morte vermelha" a carne que sangra no prato.
— Além de vegetariano, este chef tem humor negro. Coerente para um "restaurante gótico".
— Não consigo mais comer carne, Dra. Sigmunda. Traumatizei. Veja. Estou tremendo. O que eu faço?
— Análise, meu caro. Muita análise. 

(*) Imagem: Google

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A História de Tuwillysson



      "Vai chamar Tuwillysson", decretara a mãe, depois do tal sonho sem pé nem cabeça que tivera na véspera do parto. Quarenta anos mais tarde, lá estava ele, sem muitas histórias para contar. Ao voltar a pé do trabalho naquele fim de tarde abafado, alguns metros antes da casa onde morava, uma mulher o chamou: 
        — Tuwillysson!
      Ouvir seu nome pronunciado sem qualquer hesitação era algo improvável. Além da família, e da namoradinha que o abandonara no segundo ano do colégio, ninguém mais acertava o dito cujo. E, agora, aquela voz feminina acabara de dizê-lo com uma naturalidade desconcertante. Teria ela voltado? Como o encontrara? Bastaria virar-se para descobrir. Ao invés disso, seguiu pela calçada fingindo não ser quem era. Os passos, bem atrás de si, traziam uma inesperada sensação de estar acompanhado. Logo ele, que não sabia mais o que era proximidade. Durante anos, colocara toda culpa de uma existência vazia na esquisitice do seu nome. Se ao menos não houvesse tanta beleza naquela voz de mulher ao dizer "Tuwillysson" teria sido mais fácil esconder-se da verdade: nada soava mais estranho do que seu ressentimento. Abriu o portão sem olhar para trás.
(*) IMAGEM: Google

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Um Conto Minimalista




Sua vida era um labirinto. Uma história que  apesar das reviravoltas  retornava sempre ao ponto inicial: ela sozinha. Se ao menos fosse narcisista...

(*) Imagem: Google

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Bolo Espera Marido





Ao folhear os antigos cadernos de sua avó, encontrou a receita do bolo "Espera Marido".  Uma nota de rodapé, na página amarelada, trazia a marca do senso de humor da melhor confeiteira da família.  A observação a lápis recomendava: "se ele demorar muito a chegar, sirva embolorado".




(*) IMAGEM: Google

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A Mulher Honesta




  ― O que esperava de seu marido? 
 ― Ora, algo verdadeiro. Real, sabe? Mas não... Ele me cobre de mimos. Tudo que desejo, e até o que nunca imaginei que desejaria, está ao meu alcance como num passe de mágica. Eu sei bem o que ele quer: me enganar com essa tal felicidade. Nunca acreditei em pessoas felizes. Prefiro aquelas que quebram a cara. Pelo menos, parecem de verdade. Minhas melhores amigas, por exemplo, tiveram muitas experiências amorosas. Estão no terceiro casamento.  Uma já está no quinto. E eu? Casada com o primeiro namorado. Imagine minha situação quando me perguntam quantos ex-maridos eu tenho. Quer mesmo saber toda verdade? Se eu fosse uma mulher desonesta, teria pelo menos um amante. Um? Não.  Nem em hipótese eu ouso. Que tristeza!  Digamos três ou quatro ao longo deste casamento. Mas eu sou honesta. Entendeu? Eu sou honesta. Por isso procurei você... 
    Laura parou de falar. Precisava de fôlego. Do outro lado da mesa, o advogado fazia anotações em folhas timbradas, e num tom de voz brando que soava cúmplice, disse:
     ― Continue.
     Ela endireitou-se na poltrona, antes de concluir:
   ― Você precisa me ajudar a ter, pelo menos, um ex-marido.

(*) Imagem: Google

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O Impaciente Inglês



Um trovão rompe o silêncio e desperta lembranças:
― Sonhei outra vez com sombras. O que isso quer dizer, doutora Sigmunda?
― Elabore o sonho, meu caro. Não sou vidente, apenas psicanalista.
― Desde menino tenho esse pesadelo. Estou num quarto escuro, um temporal desgraçado lá fora e a porta bate. Quando um relâmpago ilumina o céu, vejo sombras na janela. E grito. Grito muito.
― Lembra o que diz nestes gritos?
― "Ah"! E depois, "Oh"!
― O que sente ao ver as sombras?
― Pânico. Acho que é trauma de...  Ouviu isso? Escutei passos na sala de espera, mas sou o último paciente de hoje. Estamos só os dois aqui.
― Acalme-se. Voltemos às sombras. Lembra de algo ao pensar nelas?
― Oh my Freud! Digo, doutora Sigmunda Fuad. Ouvi outro barulho. Estou alucinando? Enlouqueci de vez? Qual o sentido?
― Elementar, meu caro Washington. Você está num ponto crítico da análise. As defesas frágeis. Por isso, projeta sombras no mundo exterior. Fantasias que não existem a não ser em seu imaginário...
O som de outro trovão assusta o paciente. As luzes do consultório se apagam. A porta é arrombada. Surge o vulto de um homem encapuzado, e sua voz vibra sombria:
― É um assalto.
Aos berros, Washington pula do divã, e pendura-se no pescoço do ladrão:
― Obrigado. Você me salvou. Não estou louco...


(*) Imagem: Google